Ministro do STF decide que acordo individual precisa de aval de sindicato para redução de salário

Ministro do STF decide que acordo individual precisa de aval de sindicato para redução de salário

O ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), decidiu nesta segunda-feira (6) que os acordos individuais para redução de jornada de trabalho e de salário e para suspensão de contrato terão validade após manifestação do sindicato dos trabalhadores.

 

O governo Jair Bolsonaro editou a MP (medida provisória) 936 que prevê a negociação direta entre empregados e empregadores durante a crise do coronavírus.

 

A tratativa, pelo texto em vigor, é suficientena, na maioria dos casos, para as empresas alterarem os contratos com funcionários sem intermediários.

Para a equipe econômica, a decisão pode comprometer o resultado esperado com o programa, que deve atender, com a complementação de renda, a 24,5 milhões de trabalhadores formais afetados pelo corte de renda. Empresários acreditam que, com entraves à redução temporária de custos, demissões podem aumentar.

Uma MP tem força de lei por até 120 dias. Porém, nesse período, o texto precisa ser chancelado pelo Congresso Nacional.

 

A decisão de Lewandowski desta segunda ainda precisa ser analisada por todos os ministros da corte, mas tem efeito imediato.

 

Ela determina que os acordos só passam a valer se a entidade que representa os trabalhadores se manifestar após a comunicação feita em dez dias a partir do momento da celebração do acordo individual.

 

O sindicato poderá então levar os termos do acordo individual à negociação coletiva, se discordar dos termos estabelecidos.

 

Se a entidade não se manifestar no prazo de dez dias, significa que ela aceita o acordo individual celebrado entre empregado e empregador.

 

Poucas horas após o programa que permite o corte de jornada e suspensão de contratos entrar em vigor, o governo recebeu mais de 7 mil acordos individuais (entre patrão e empregado). Para a equipe econômica, a liminar do STF pode gerar insegurança jurídica.

 

Com receio de que a medida de Guedes para manter empregos na crise (mesmo com salários mais baixos) seja alvo de disputa no Judiciário, a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), um dos setores mais afetados, acredita que os empresários podem acabar optando por demitir os funcionários, em vez de manter os empregos a um custo menor.

 

“Nós estamos entrando numa semana delicada, com o pagamento dos salários de março. Agora, com essa decisão, fica ainda pior. A gente está vivendo um ambiente de incerteza”, disse o presidente da entidade, Paulo Solmucci.

 

No programa lançado pelo governo, o acordo individual seria aplicado a trabalhadores que ganham até três salários mínimo (R$ 3.135) por mês em todas as situações — redução de jornada e suspensão de contrato.

 

Para quem tem salários acima disso e até R$ 12.202, já é exigido o acordo via sindicato quando o corte de jornada superar 25% e em caso de suspensão de contrato. No caso de trabalhadores com renda acima de R$ 12.202, por terem um tratamento diferente na CLT, também valeria o acordo individual em qualquer caso.

 

A ação foi proposta pela Rede Sustentabilidade. O partido questiona a constitucionalidade dos artigos que estabelecem o acordo individual.

 

De acordo com Lewandowski, “tudo indica que a celebração de acordos individuais​ […] sem a participação dos sindicatos de trabalhadores na negociação, parece ir de encontro ao disposto nos arts. 7, VI, XII e XVI, e 8, III e VI, da Constituição”.

 

A Constituição prevê a negociação coletiva. A MP prevê a comunicação do acordo ao sindicato, mas não prevê a possibilidade de rejeição.

 

“Por isso, cumpre dar um mínimo de efetividade à comunicação a ser feita ao sindicato laboral na negociação”, escreveu Lewandowski.

 

“E a melhor forma de fazê-lo, a meu sentir, consiste em interpretar o texto da medida provisória, aqui contestada, no sentido de que os ‘acordos individuais’ somente se convalidarão, ou seja, apenas surtirão efeitos jurídicos plenos, após a manifestação dos sindicatos dos empregados”, afirmou na decisão.

 

O ministro do STF escreveu ainda que não duvida da boa vontade do governo ao editar a medida, mas afirma que as “incertezas do momento não podem permitir a adoção acrítica de quaisquer medidas que prometam a manutenção de empregos”.

 

“Na hipótese sob exame, o afastamento dos sindicatos de negociações, entre empregadores e empregados, com o potencial de causar sensíveis prejuízos a estes últimos, contraria a própria lógica subjacente ao direito do trabalho, que parte da premissa da desigualdade estrutural entre os dois polos da relação laboral.”

 

Além disso, ele ressaltou que a OIT (Organização Internacional do Trabalho) mesmo em meio à crise tem reafirmado a necessidade de diálogo entre governos, representantes das empresas e dos trabalhadores para ações que interfiram na vida dos empregados.

 

Para Lewandowski, a decisão provisória pretende “preservar ao máximo o ato normativo impugnado [a MP], dele expungindo a principal inconstitucionalidade apontada na exordial, ao mesmo tempo em que se busca resguardar os direitos dos trabalhadores, evitando retrocessos”.

 

“Almeja-se, com a saída proposta, promover a segurança jurídica de todos os envolvidos na negociação, especialmente necessária nesta quadra histórica tão repleta de perplexidades.”

 

Na visão de integrantes da equipe econômica, a decisão de Lewandowski descaracteriza uma das principais medidas do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, uma das apostas do Executivo para conter a crise econômica.

 

O ministro, porém, cita experiências de outros países e diz que a participação de sindicatos nas negociações não foi dispensada no resto do mundo. “Não se trata aqui, obviamente, de adotar soluções alienígenas, desconsiderando-se a realidade brasileira, mas sim de reconhecer que, em outros países, plenamente integrados ao capitalismo global, a necessária participação das organizações representativas dos trabalhadores nas tratativas vem sendo respeitada”.

 

O ministro também destaca que a Justiça precisa agir com cautela durante a crise, mas que não pode abdicar das suas funções.

 

“Não é dado aos juízes, independentemente da instância a que pertençam, seja por inércia, comodidade ou tibieza, abdicar de seu elevado múnus de guardiães dos direitos fundamentais, sobretudo em momentos de crise ou emergência”, afirma.

 

O ministro ressalta que as soluções para a crise devem ser “construídas pelos atores sociais que dele são protagonistas”.

 

“A assimetria do poder de barganha que caracteriza as negociações entre empregador e empregado permite antever que disposições legais ou contratuais que venham a reduzir o desejável equilíbrio entre as distintas partes da relação laboral, certamente, resultarão em ofensa ao princípio da dignidade da pessoa e ao postulado da valorização do trabalho humano”, afirma.

 

 

Fonte: Folha de S.Paulo